PESQUISA REVELA QUE PREÇO DEPENDE DO CANAL DE VENDA
Partindo da questão “alimentos sem veneno são sempre mais caros?”, a pesquisa comparativa de preços de produtos convencionais, orgânicos e em transição agroecológica realizou coleta participativa mensal de preços, durante 1 ano, em 4 canais de comercialização distintos, em 5 cidades do Brasil, para 22 itens, que incluem hortaliças, frutas e ovos. De Julho de 2014 a Junho de 2015, os dados foram coletados em supermercados, feiras convencionais, feiras orgânicas e grupos de consumo responsável. A pesquisa foi inspirada por levantamentos pontuais de preços realizados pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e pela AAO (Associação de Agricultura Orgânica) e estendeu significativamente a abrangência dos levantamentos anteriores. Dessa forma, busca contribuir para avançarmos no debate acerca do preço dos produtos orgânicos e agroecológicos.
Mas afinal, qual a diferença entre a agricultura orgânica e a convencional? A agricultura convencional utiliza agrotóxicos, fertilizantes químicos e até mesmo sementes transgênicas, em busca de maiores lucros e redução da mão de obra. Tudo isso tem efeitos negativos no ambiente, na saúde e na sociedade. Já a agricultura orgânica não faz uso de nenhum insumo químico e utiliza práticas que respeitam o ambiente e a saúde. Há correntes específicas da agricultura orgânica, como a agroecologia e a agricultura biodinâmica, que têm visões integradas do ser humano e da natureza promovendo práticas agrícolas e sociais de regeneração ambiental e de desenvolvimento social.
Além dos supermercados e das feiras (convencionais e orgânicas), foram coletados os preços nos “grupos de consumo responsável” (GCR), que são grupos de consumidores que, a partir da reflexão crítica sobre as consequências sociais e ambientais causadas pelos padrões de produção e consumo vigentes, se juntam e se organizam para acessar, diretamente dos produtores, produtos saudáveis que estejam alinhados com seus valores, como produtos da economia solidária e da agricultura familiar agroecológica. Os GCR entendem o consumo como um ato político. A articulação de diversos grupos espalhados pelo Brasil formou a “Rede Brasileira de Grupos de Consumo Responsável”, que vem se estruturando desde 2011. Uma das ações fundamentais levantadas nos encontros da Rede e posteriormente colocada em prática foi a realização dessa pesquisa.
Os preços que foram coletados nos grupos de consumo abrangem produtos orgânicos com e sem certificação formal, além de produtos em transição agroecológica. A parceria entre produtores e consumidores nos grupos ajuda a fomentar a transição do convencional para o orgânico e se dá através de uma relação próxima e de confiança mútua entre os envolvidos. Para garantir a qualidade dos produtos, alguns GCR realizam visitas periódicas aos produtores procurando entender como esses lidam com as dificuldades do trabalho agrícola.
A pesquisa foi idealizada pela Rede Brasileira de Grupos de Consumo Responsável e realizada coletivamente por meio da articulação em rede. Contou com a participação voluntária de 5 grupos de consumo de diferentes regiões do país: SISCOS em Alta Floresta (MT), Rede Ecológica no Rio de Janeiro (RJ), RedeMoinho em Salvador (BA), Movimento de Integração Campo-Cidade (MICC) em São Paulo (SP) e Rede Guandu em Piracicaba (SP). Foi coordenada pela pesquisadora e engenheira agrônoma Morgane Retière (Rede Guandu / Instituto Terra Mater / Piracicaba). E foi viabilizada por meio do projeto “Produção e consumo responsável nas redes territoriais”, realizado pelo Instituto Kairós em parceria com a Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Previdência Social (SENAES/MTPS).
Na metodologia de análise dos dados utilizada, após a coleta, os dados foram organizados comparando-se (1) os orgânicos e em transição agroecológica no GCR, feira orgânica e supermercado e (2) produtos orgânicos e em transição agroecológica no GCR e produtos convencionais na feira convencional e no supermercado. Para isso, a principal ferramenta utilizada para as análises estatísticas dos preços levantados foi o software livre R. O processo de realização da pesquisa encontrou vários fatores limitantes e enfrentou diversos desafios, como o contato com os produtores, feirantes e gerentes; a sazonalidade dos produtos; a padronização da unidade de medida; a obtenção de fotos dos produtos; etc.
As análises permitiram chegar em conclusões que desmistificam a ideia de que produtos sem veneno são sempre mais caros que os produtos convencionais. A pesquisa gerou 2.715 dados ao longo dos 12 meses nas 5 cidades de abrangência, nos 4 tipos de canais de comercialização estudados. As análises dos dados mostram que, no caso dos produtos sem veneno, os preços praticados nos GCR são muito menores que nos supermercados, com produtos equivalentes, variando entre 16% até 280% (vide abaixo comparativo de cestas de 17 itens).
Essa tendência dos GCR a apresentarem preços baixos se confirma inclusive quando comparados a produtos convencionais no supermercado. Aproximadamente dois terços do produtos levantados apresentam preços equivalentes ou menores no GCR em relação aos convencionais no supermercado. Uma cesta de 18 produtos sem veneno no GCR acaba apresentando um valor médio (R$72) equivalente ao valor de uma cesta de itens convencionais no supermercado (R$70).Assim, a pesquisa corrobora a afirmação de que o preço geralmente elevado dos alimentos sem veneno depende do canal de comercialização, sugerindo que, nos circuitos curtos de comercialização, existe uma tendência de preços mais justos, remuneradores para o agricultor e acessíveis ao consumidor. A pesquisa mostrou, ainda, que existe muito a avançar na questão e são necessários diversos estudos, como por exemplo examinar qual a porcentagem do preço de venda ao consumidor final que vai para o produtor nos diferentes canais de comercialização, entre outros.
Além dos resultados obtidos sobre os preços, a pesquisa busca provocar a reflexão sobre a comercialização de produtos sem veneno e a construção de preço em um sistema onde as distâncias entre os diferentes elos da cadeia agroalimentar estão cada vez maiores. O que os GCRs mostram é como os cidadãos podem se organizar para criar suas próprias alternativas ao sistema dominante.
Para conferir a pesquisa completa acesse: https://institutokairos.net/wp-content/uploads/2016/04/Pesquisa-Completa.pdf
Saiba mais sobre os grupos de consumo responsável: https://institutokairos.net/2015/05/acervo-sobre-grupos-de-consumo-responsavel/
Saiba mais sobre as feiras orgânicas: http://feirasorganicas.idec.org.br/