A gente não quer só comida
Contra o excesso de industrialização dos alimentos, consumidores ativistas arrendam terras, compram sementes e viram sócios de agricultores. Conheça o progressismo culinário
por Rafael TononO tom transgressor desse movimento fica claro no apelido que ele ganhou da revista Time: progressismo culinário. “Têm-se construído diversas práticas para mitigar o dano permanente causado pelo regime alimentar corporativo, baseado na produção em massa e na industrialização”, diz Gimenez. Um dos principais meios de ação desses ativistas é a criação de grupos que buscam parcerias com produtores locais dispostos a oferecer alimentos sem o intermédio de supermercados ou distribuidores. Isso encurta o caminho do produto (economizando viagens de caminhão para centros de distribuição e reduzindo até a poluição causada por elas) e estreita o laço com as famílias que trabalham na terra. “O alimento é muito importante para estar nas mãos de apenas algumas corporações”, defende Harriet Lamb, da The Fairtrade Foundation, entidade que luta por melhores políticas sociais e econômicas de consumo no mundo. Esses grupos, que despontaram no final da década de 90 nos EUA e em 2001 na França, polinizaram terras do mundo todo, inclusive do Brasil.
O grupo de CSA responde por cerca de 20% da renda das três famílias de agricultores envolvidas no projeto — os 80% restantes são conseguidos em feiras de orgânicos. “Mas a ideia é que consigam se sustentar somente a partir do grupo. Isso será possível quando atingirmos 400 integrantes”, diz Pohlmann. Desde o surgimento do CSA de Botucatu, outros foram criados em Campinas (SP), Nova Friburgo (RJ), Maria da Fé (MG) e Parelheiros, bairro da capital paulista, mostrando que a ideia tende a se espalhar por aqui.
Os coletivos de consumo já são um fenômeno mundial. Na França, há 1.600 deles, sob a sigla Amap (Associações para a Preservação da Agricultura Camponesa). Eles entregam regularmente 66 mil caixas de alimentos para cerca de 270 mil associados. Ao aderir a uma Amap, os compradores lidam diretamente com os produtores, pagando meses antes da colheita pelas frutas e hortaliças.
Nos EUA, o modelo vai além. Em alguns casos, famílias criam um fundo para arrendar uma propriedade a longo prazo, de forma que os próprios filhos dos produtores possam perpetuar o trabalho iniciado pelos pais. Em outros, pessoas se reúnem em projetos de financiamento coletivo para incentivar a produção artesanal de comida.
Foi o que aconteceu com o agricultor Gudelio García em Nova York. Em 2010, ele criou uma pequena fazenda para cultivar ervas, temperos e vegetais da culinária mexicana. A demanda foi tanta que a produção se tornou insuficiente. Os consumidores fiéis colocaram, em julho de 2012, um projeto no Kickstarter — maior site de financiamento coletivo no mundo — para permitir que ele aumentasse a fazenda. Em menos de um mês, US$ 5 mil foram rateados pelos compradores, que criaram, então, um grupo para adquirir produtos diretamente da fazenda. “Em 10 anos, a quantidade de coletivos assim deve dobrar”, diz Pohlmann.
Atualmente, os integrantes do grupo pagam R$ 30 para ter direito a aquisições mensais de alimentos e R$ 60 para semanais. Esse dinheiro ajuda a manter a rede funcionando — é preciso pagar despesas como aluguel do espaço para distribuição dos produtos, além do transporte da propriedade rural até a cidade. A exclusividade é garantida. Só quem faz parte da rede tem direito a comprar os alimentos, num máximo de R$ 440 por mês, valor que vai diretamente para o produtor.
Como em outros grupos do tipo, os alimentos precisam ser retirados em um local preestabelecido. A comodidade de recebê-los em casa foi dispensada para que as pessoas sejam mais ativas no negócio. “Cada um deve se comprometer a participar de atividades 10 horas por ano”, afirma Miriam. Entre os afazeres, estão organizar a bancada de alimentos, conferir e atualizar as planilhas de vendas e valores de produtos. “Por ser uma proposta coletiva e autos-sustentável, é imprescindível que todo mundo faça a coisa acontecer.”
Em Piracicaba (SP), a Rede Guandu também promove a comercialização de produtos da agricultura familiar. “A ideia era revalorizar o conceito de local e fomentar a economia dos agricultores da região fazendo mais do que ir à feira”, afirma Andre Toshio, um dos fundadores da iniciativa. “O principal é criar uma interdependência entre consumidores e produtores, fazendo com que um necessite do outro, não apenas economicamente.”
No início, a rede contava com cinco integrantes, amigos na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, que se juntaram para comprar de produtores que já conheciam, por causa da faculdade. Conforme a coisa cresceu, passaram a ter dificuldade em gerenciar os pedidos, até então feitos por e-mail.
Em parceria com o Centro de Informática da Esalq, arrecadaram, por meio de financiamento público, R$ 28 mil para desenvolver um software para gestão de pedidos. Com o programa, ampliaram o grupo para os 40 consumidores semanais que têm hoje. “O software é específico para os GCRs e a ideia é torná-lo livre para que coletivos no país inteiro possam se organizar e até se formar de maneira mais organizada”, conta Toshio.
TODOS POR UM
Como organizar um grupo de consumo responsável
DEFINA OS PRODUTOS > Para listar o que será comprado veja quais são os itens produzidos localmente. Os sites do Fórum Brasileiro de Economia Solidária (fbes.org.br) e Faces do Brasil (facesdobrasil.org.br) ajudam na busca de agricultores familiares.
DIVERSIFIQUE > Um grupo consolidado conta com mais de 10 produtores. Isso aumenta a variedade de itens e ajuda a garantir o abastecimento.
ORGANIZE A LOGÍSTICA > Produtos frescos devem ser entregues toda semana enquanto os não perecíveis podem ter prazos mais extensos. Para reduzir custos, um motorista contratado pode passar nas hortas e trazer os produtos a um local fixo: pode ser um colégio ou um centro cultural, por exemplo.
CRIE UMA BOA GESTÃO > É preciso organização para receber o dinheiro, pagar os produtores, controlar os pedidos etc. Defina cargos e responsabilidades para os próprios membros. Será preciso que todos dediquem algumas horas mensais ao trabalho.
Fonte: http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,EMI336358-17773,00-A+GENTE+NAO+QUER+SO+COMIDA.html